Pesquisadora da Globo fala sobre o fenômeno evangélico no Brasil


O resultado do Censo 2010 revelando o crescimento significativo do número da população evangélica no Brasil nos últimos 20 anos foi tema do artigo O Brasil não é mais um país apenas católico?, da professora e pesquisadora Yvonne Maggie, colunista do site G1.
Segundo Yvonne, os números apresentam um Brasil bem diferente daquele que prevalecia até o final do século passado, sendo o crescimento da população evangélica uma das maiores mudanças “em termos de visão de mundo ocorridas nos últimos anos”.
No entanto, ela chama atenção de que certo conflito “revela mais do que os interesses materiais e diretos daqueles que estão em combate”. Para a professora ‘a intolerância’ por partes de alguns evangélicos pode estar ligada ao desejo da “destruição da crença de que as pessoas são vítimas de ataques místicos, de olho grande, de feitiço o que, segundo eles, retira do indivíduo a responsabilidade sobre seus atos”.
Como exemplo, Yvonne Maggie citou a entrevista de Roseane Collor, que acusou o ex-marido de praticar magia negra na residência do casal em Brasília. “Segundo Rosane, só a entrega a Jesus protegeria os indivíduos das tramas nas quais se enredam aqueles que se dedicam a praticar os rituais de magia negra. Só Jesus salva da sina ou da maldição que não permite que o indivíduo se responsabilize pelos seus atos”.
E a pesquisadora finaliza: “A entrega a Jesus propugnada pelos evangélicos, pode ser vista como um rompimento com esta cosmologia do feitiço na qual as pessoas estão sempre tendo de se defender dos ataques místicos e, com isso, dependendo dos que têm esses poderes para livrá-los do mal.(…) Os protestantes rompem também com a aliança centenária da Igreja Católica com as religiões afro-brasileiras, que ao mesmo tempo as atacava e mantinha uma relação ambígua. Romper os laços com a Igreja Católica e com a crença no feitiço representa uma virada radical no cenário cosmológico da vida social brasileira”.
O Brasil não é mais um país apenas católico?
O Censo de 2010 revelou o crescimento significativo da população evangélica no Brasil que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Dos que se declararam evangélicos, 60,0% se disseram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão e 21,8 %, evangélicos não determinados. Segundo este mesmo censo, diminuiu o número dos que se designaram católicos ao longo da última década e aumentou o número dos que dizem não ter religião. Estes números apresentam um Brasil bem diverso daquele que prevalecia até o último decênio do século XX. O crescimento da população evangélica parece ser uma das maiores mudanças em termos de visão de mundo ocorridas nos últimos vinte anos no Brasil. É difícil pensar sobre esse tema sem cair no debate acalorado de posições extremadas. O que significa esse florescimento? O Brasil deixou de ser um país católico?
Dentre as muitas questões que devem ser pensadas sobre o aumento do protestantismo destaco duas que, evidentemente, não esgotam o problema. Em primeiro lugar, o que muda quando 20% de uma população majoritariamente católica passa a se declarar protestante? Em segundo, qual a relação deste fato com o que vem sendo chamado de intolerância religiosa?
Em um post anterior afirmei que o Brasil do real e do controle da hiperinflação, que completou 18 anos este ano, foi acompanhado pelo crescimento de uma nova classe média – milhares de pessoas deixaram de viver abaixo da linha da pobreza – e de uma ética centrada na responsabilidade individual, com o crescimento paralelo do número de protestantes. Alguns leitores me perguntaram o que tem a ver o aumento do protestantismo com o Plano Real. Há muito tempo venho pensando nesse aspecto da questão. É difícil dizer o que vem antes, o ovo ou a galinha.
O crescimento espantoso do número de evangélicos no País talvez seja sinal de que as regras morais e os valores indispensáveis ao surgimento do “espírito do capitalismo” são, de fato, complementares às mudanças econômicas e à maior racionalidade na vida cotidiana. Max Weber, um dos fundadores, e clássico da sociologia, escreveu sobre isso no século passado. Não penso ser absurdo admitir que no Brasil do século XXI uma ideologia mais voltada para o indivíduo e para o trabalho tenha sido concomitante à obra dos economistas que planejaram e executaram a estratégia de controle da inflação. A luta contra o clientelismo, ao qual sempre esteve ligada a Igreja católica, faz parte da nova ética necessária à implantação de forma mais racional e menos emocional de gerir a vida cotidiana e, é claro, a vida pública.
A pergunta que sempre me faço é por que tantas pessoas têm abandonado suas pertenças religiosas para aderir à fé protestante? Será possível que mais de 20% de adeptos do protestantismo sejam apenas pessoas ingênuas e manipuladas por falsos pastores que só desejam o seu dízimo?
Quando afirmo estas minhas ideias muitos me contradizem dizendo que os protestantes brasileiros não têm a lógica do calvinismo clássico, europeu, e mostram os alarmantes processos de intolerância religiosa como o que ocorreu no último dia 17 de julho na cidade de Olinda, em Pernambuco. Nessa noite, um grupo de evangélicos empunhando a Bíblia Sagrada invadiu um terreiro onde se realizava um ritual de candomblé, gritando que seus adeptos eram enviados do demônio, de satanás, do capiroto.
A intolerância e a violência devem, é claro, ser combatidas. Não se justificam num país democrático, onde a Constituição prega a liberdade religiosa. O fato é grave e há leis que devem ser acionadas em defesa daqueles que sofrem qualquer tipo de perseguição. Mas é preciso entender o que está em jogo quando pessoas de credos diferentes se enfrentam, pois o conflito revela mais do que os interesses materiais e diretos daqueles que estão em combate. A intolerância religiosa por parte de alguns evangélicos pode estar vinculada ao fato de almejarem a destruição da crença de que as pessoas são vítimas de ataques místicos, de olho grande, de feitiço o que, segundo eles, retira do indivíduo a responsabilidade sobre seus atos. O caso do “Quebra de xangô” nas Alagoas que narrei em outro post é um caso paradigmático.
A entrevista feita pelo Fantástico da TV Globo com Rosane Collor de Mello, ex-primeira-dama do País, que teve enorme repercussão, talvez seja um bom caso para pensar esta nova ética. Rosane Collor, convertida ao protestantismo, acusou seu ex-marido, quando era presidente, de praticar atos de “magia negra” na residência particular do casal em Brasília. Na entrevista Rosane Collor também falou da conversão da mãe-de-santo Maria Cecília que frequentava a casa da família para realizar rituais de magia negra durante a corrida de Collor para a presidência e, mesmo depois, para protegê-lo dos ataques místicos de seus inimigos, fazendo com que o mal que eles lhe desejavam se voltasse contra eles mesmos. Uma foto mostrando a mãe-de-santo citada na entrevista, subindo a rampa do Palácio do Planalto em 1991 ao lado do presidente vestido de branco, revela as ligações perigosas de Fernando Collor de Mello que possibilitaram as acusações de bruxaria. Rosane Collor disse que apenas ela e a ex-mãe-de-santo Maria Cecília, por terem “aceitado Jesus”, se livraram do que ela chamou de “maldição do Collor”. Segundo Rosane, só a entrega a Jesus protegeria os indivíduos das tramas nas quais se enredam aqueles que se dedicam a praticar os rituais de magia negra. Só Jesus salva da sina ou da maldição que não permite que o indivíduo se responsabilize pelos seus atos.
É impensável, vinte anos depois do impeachment de Collor de Mello, uma relação tão estreita entre um presidente e uma médium. A entrega a Jesus propugnada pelos evangélicos, pode ser vista como um rompimento com esta cosmologia do feitiço na qual as pessoas estão sempre tendo de se defender dos ataques místicos e, com isso, dependendo dos que têm esses poderes para livrá-los do mal. O feitiço une assim pessoas e grupos e simboliza o clientelismo na política e na vida social. Os protestantes rompem também com a aliança centenária da Igreja católica com as religiões afro-brasileiras, que ao mesmo tempo as atacava e mantinha uma relação ambígua. Romper os laços com a Igreja católica e com a crença no feitiço representa uma virada radical no cenário cosmológico da vida social brasileira.

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